Zumbi e o Quilombo dos Palmares: O que você precisa saber sobre a Consciência Negra.

Tela de Augusto Earle (1793-1838)

Novembro é o mês da consciência negra, e atribui-se ao dia 20 a comemoração oficial, data que relembra  a morte de Zumbi dos Palmares, um dos líderes do maior quilombo das Américas e uma das personalidades mais famosas da história brasileira.

Como já se sabe, o Brasil foi um país escravagista e o último do mundo a deixar esse monstruoso sistema. Além disso, o nosso país também foi um dos que mais importaram escravos, devido a economia que era centrada na agricultura, onde a necessidade de mão-de-obra pesada era grande e por ser o meio mais barato da época, os escravos foram trazidos aos montes para o Brasil.

Ainda no século XV, no início da colonização do país, o açúcar prosperava por aqui, principalmente no nordeste. O "ouro branco",
como era chamado, logo se tornou a base da economia portuguesa, e nesse tempo houve um grande aumento de escravos trazidos da África para os engenhos brasileiros. E foram esses escravos os primeiros a ir de encontro ao sistema de opressão extrema ocidental, fundando os primeiros quilombos.

Zumbi dos Palmares
é apenas um dos vários personagens que foram importantes na história dos quilombos e do início da luta pela libertação, tanto física como cultural, dos negros. Sendo assim, antes mesmo de Zumbi nascer o Quilombo dos Palmares já existia.

E se inicia o nascimento do Quilombo dos Palmares.


Não se sabe exatamente quando e onde surgiu o Quilombo dos Palmares. Acredita-se que em meados de 1590 alguns negros escravos teriam fugido e se estabelecido na Serra da Barriga, na capitania de pernambuco, que hoje é o estado de Alagoas ganhando o nome de Palmares devido a enorme quantidade palmeiras no local. Em 1602 ocorreu a primeira expedição oficial para a destruição do quilombo, e consequentemente a primeira a falhar.


Palmares foi construído sobre solo fértil, a agricultura era diversificada, também criavam animais de pequeno porte como galinhas e porcos e fabricavam manteiga, farinha de mandioca, vinho de palma entre outros. Esses  produtos eram usados como escambo em comunidades vizinhas, das quais muitos quilombolas haviam fugido e retornavam para negociar com os brancos da classe baixa. Existiam vários mocambos (aldeias) em Palmares, seu território chegou a ser maior que Portugal e no auge do quilombo estima-se que possuiu cerca de 50 mil habitantes.

Em 1630 a invasão holandesa trouxe o caos da guerra, o que facilitou muito a fuga de escravos e, consequentemente, o crescimento do Quilombo de Palmares. Assim, as trocas de mercadorias eram cada fez mais comuns, pois os portugueses cultivavam basicamente só cana-de-açúcar, isso gerou uma interdependência entre as comunidades, fazendo com que com as trocas no Quilombo se tornassem mais frequentes graças a policultura empregada pelos negros.

Alguns historiadores atribuem grande parte do mérito do crescimento do Quilombo dos Palmares a um líder, o Ganga Zumba, outros chegam a dar total crédito afirmando que ele teria sido um líder melhor que Zumbi. Mas, independente de quem foi melhor ou pior, o fato é que Ganga Zumba foi uma figura de suma importância na história do Quilombo.

Quem foi o Rei Ganga Zumba


Muito se fala que o Quilombo dos Palmares era uma república, mas de fato bem diferente de nossa república atual. Se aproximava bem mais da politica das tribos africanas, de onde descendiam os escravos foragidos. O líder era eleito pelos moradores do quilombo, que escolhiam entre aqueles mais sagazes, fortes e hábeis para liderá-los, com o tempo indeterminado de mandato e com aspectos de monarquia sendo até mesmo chamado de rei.


Ganga Zumba foi um desses lideres, os relatos detalham que ele nasceu na Africa, foi trazido ao Brasil pelos portugueses e seria descendente de uma família real africana. Ele liderou o Quilombo por mais de três décadas, em seu mandato foi que Palmares mais prosperou, porém as coisas começaram a se complicar ao fim da guerra com os holandeses, onde os portugueses e senhores de engenho brasileiros podiam se concentrar apenas nos ataques aos quilombos.

Em 1678, Ganga Zumba recebe uma proposta do governador da capitânia, o suposto acordo de paz daria liberdade a todos os habitantes do Quilombo dos Palmares em troca deles se mudarem para o Vale do Cucaú em Recife e que fossem vassalos da corte portuguesa, como qualquer outro morador da colônia e regularizados no comércio. Porém eles teriam que negar qualquer tipo de auxilio aos futuros escravos que fugissem para lá.

Após ter familiares e amigos capturados pelo governo, Ganga Zumba aceita o acordo. Palmares se divide e o mandato do rei fica abalado. Poucos foram os que seguiram para o Cucaú, tendo a grande maioria ficado em Palmares sobre a liderança de Zumbi. 
É provável que Cucaú tenha sido uma emboscada, ou que o fato de Zumbi ainda manter Palmares tenha enfurecido o governo contra Ganga Zumba, que prometera mover todo o Quilombo, ou até mesmo a combinação de todos os fatores. Estima-se que o Vale do Cucaú durou cerca de dois anos até a morte de Ganga Zumba, a teoria mais aceita de sua morte é que ele tenha sido envenenado por um quilombola contrário a sua causa.

Zumbi dos Palmares é eleito o novo Rei.


Apesar de ser um personagem histórico, faltam muitas provas reais sobre Zumbi, a teoria mais aceita é que ele tenha nascido livre em uma das aldeias do Quilombo de Palmares e capturado quando criança por um bandeirante, sendo vendido em seguida a um missionário português. Ele foi batizado como Francisco, apendeu a ler e a escrever e até um pouco de latim, era um escravo que tinha uma vida melhor que a de muitas pessoas consideradas livres na época.

Retratação de Zumbi por Antônio Parreiras (1860-1937)

Não se sabe o motivo exato que o levou a fugir, acredita-se que o missionário teria facilitado a fuga e Zumbi conseguiu chegar ao Quilombo, onde as histórias contam que Ganga Zumba teria o reconhecido como seu sobrinho que foi levado pelos portugueses e o batizou com o nome de "Zumbi", referente a um fantasma, com a interpretação de que o que está morto não pode morrer, atribuindo a imortalidade ao sobrinho.

Zumbi logo se tornou um dos "generais" do quilombo, era um excelente estrategista e um líder nato. Foi contrario ao acordo firmado entre Ganga Zumba e o Governo, assumindo a liderança de todo o Quilombo dos Palmares após a morte do tio.

É o fato de Zumbi não ter aceitado baixar a cabeça para os escravagistas, e ter lutado até o fim pela liberdade e igualdade sua e de seus companheiros perante os ocidentais que fez com que o Rei Zumbi se tornasse o símbolo da consciência negra, sendo o primeiro grande líder contra o sistema escravagista.

Mas Zumbi dos Palmares tinha escravos?


Como era de se esperar de alguém que só conheceu e viveu nesse tipo de sistema, Zumbi, tinha sim, escravos. Até mesmo os escravos que se tornavam livres ansiavam para ter seus próprios escravos. Se acreditava que a economia e o progresso eram dependentes desse sistema. Porém, o quilombo não tinha o mesmo sistema de escravidão dos portugueses, como tudo no Quilombo dos Palmares, a escravidão deveria se assemelhar ao da escravidão praticada na Africa, onde era comum os inimigos capturados serem transformados em escravos.

Busto de Zumbi dos Palmares em Brasília.

Havia também a divisão de trabalho forçada, onde por exemplo os escravos que chegavam ao quilombo por meios próprios alçavam posições mais elevadas que os escravos libertados nas investidas aos engenhos, esses eram destinados a ficar responsável pelas tarefas diárias comuns.

Porém esse fato não diminui a importância que teve Zumbi e o Quilombo dos Palmares na luta pela liberdade, assim como disse em seu blog, Leandro Narloch, autor do livro O guia politicamente incorreto do Brasil, que faz críticas ao Zumbi dos Palmares, "O fato de ter capturado e mantido escravos não o torna uma fraude, apenas um personagem do seu tempo". 

Também há relatos do Domingo Jorge Velho, o bandeirante que comandou o exército que matou Zumbi, de que os quilombolas sequestravam à força as mulheres, porém, a grande quantidade de mulheres encontradas nos quilombos torna esse relato impossível de ser verdade, sendo considerado mais uma de muitas justificativas criadas na época para a execução e destruição de todo quilombo.

Morre Zumbi dos Palmares e nasce um mito.


Não só o governo local, mas toda a corte portuguesa estavam dispostos a acabar com o Quilombo de Palmares, sendo assim, foi contratado o experiente bandeirante Domingos Jorge Velho, com o qual foi feito um acordo generoso que prometia terras e títulos a ele e aos seus homens caso conseguissem destruir Palmares. Marchando para o cerco ao quilombo em 1693.

Além de autonomia total dada ao bandeirante, que podia julgar e condenar qualquer um que tivesse sob suspeita de negociar com os quilombolas. Também foi lhe fornecido 6 canhões, armas até então consideradas de ponta, e muitas armas de fogo, foi o maior exercito reunido no Brasil na época.

Revista Super Interessante, setembro de 1993.

Após fracassar em algumas investidas, em 1694 o que seria a capital de Palmares, a Aldeia do Macaco, é tomada pelo exercito de Domingos Jorge Velho. Se acreditava que Zumbi teria morrido em combate nesse ataque, mas dados históricos mais recentes comprovam que ele morreu um ano depois, em 1695, no local que teria se refugiado após a investida e estava restabelecendo sua tropa, graças a confissão através da tortura de um de seus companheiros capturados.

Zumbi é assassinado com vários tiros e decapitado, em seguida fazem uma excursão com sua cabeça em todas as comunidades, para que se colocasse medo nos escravos e rebeldes, desmistificando a imortalidade de Zumbi dos Palmares e elevando a moral do governo.
Séculos se passaram após a morte de Zumbi dos Palmares e o Quilombo não mais teve a força militar de outrora, porém a força ideológica e o simbolismo que traz toda essa história de luta pela liberdade e igualdade, mesmo que do ponto de vista do século XVI, fortalece aqueles que buscam o fim do racismo e do preconceito.

Zumbi dos Palmares se tornou um símbolo forte do atual conceito de liberdade, o Quilombo dos Palmares, Ganga Zumba e ainda outros personagens que se apagaram na história são igualmente importantes e fazem da Consciência Negra o que ela é hoje. Algo totalmente brasileiro que firma nossas raízes e nossos laços, sem esquecermos de nossa história e do povo guerreiro que nunca deixou de lutar por seus objetivos
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Parque Memorial Quilombo dos Palmares, situado no centro de onde ficava o quilombo.


Curiosidades e fatos históricos sobre Zumbi e o Quilombo dos Palmares:


O Quilombo dos Palmares não tinha só negro.

Existia uma grande parcela de índios e mestiços, e até brancos que estavam em dívida com a coroa portuguesa. Também vale lembrar que o exercito de Domingos Jorge Velho, com as promessas de terras e títulos, atraiu todas as etnias, inclusive alguns negros livres. 

Dandara, a mulher-general.

Muito se fala em Dandara, que teria sido mulher de Zumbi, mas os relatos provados sobre ela são muito poucos, a história diz que ela teve três filhos com Zumbi, e que era uma guerreira que liderou vários outros guerreiros em inúmeros combates. Não se sabe onde ela nasceu, mas que teria chegado quando criança ao Quilombo dos Palmares. Dandara teria morrido ao pular de um precipício ao ser emboscada pelos militares, preferindo a morte ao cativeiro.

Capoeira foi a principal arma dos quilombolas.


Tela de Augusto Earle (1793-1838)

Pelo fato de não existir quase nenhum poder bélico, os escravos foragidos tiveram a necessidade da criação de uma luta corporal. O que é hoje chamada de Capoeira, teve seu inicio nas formações dos quilombos onde os negros tiham que aprender a lutar por questão de sobrevivência. Muitos Mestres de Capoeira consideram Zumbi dos Palmares como o primeiro Mestre da arte.

Teria sido uma mulher a fundar o Quilombo dos Palmares?

Há uma história sobre Aqualtune, que seria a mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi, ela era uma princesa do Congo que perdeu uma guerra, na qual foi capturada e vendida como escrava reprodutora para o Brasil. A lenda diz que ela fugiu grávida de um engenho de Porto Calvo, adentrando nas matas e se estabilizando no lugar que futuramente seria Palmares.  

Fontes: Revista Brasiliana Vol. 302, filme Quilombo 1984,  História Hoje, O Globo, FAPESP.

Comentários

  1. ZUMBI NÃO TINHA ESCRAVOS: O ANACRONISMO DE NARLOCH

    Contrariamente às palavras de Leandro Narloch, autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, responsável pela disseminação da ideia de Zumbi como escravizador, seja dito que, em verdade, ZUMBI NÃO TINHA ESCRAVOS. Vejamos algumas palavras de Narloch:

    “Para obter escravos, os quilombolas faziam pequenos ataques a povoados próximos.‘Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos’, afirma Edison Carneiro no livro O Quilombo dos Palmares, de 1947”. (Narloch, Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil)

    Esse é um dos principais pontos do livro tentando defender a ideia de Zumbi como senhor de escravos. Para começar o exame desse trecho, onde Narloch se utiliza das palavras de um historiador e pesquisador da temática africana e escravidão, Edison Carneiro, é preciso deixar nítido algo muito simples, mas que passa desapercebido aos olhos de alguns:

    Edison Carneiro não fala de Zumbi, ele refere-se, nesse trecho, ao Quilombo dos Palmares.

    Apesar de Zumbi dos Palmares ser abordado na obra de Carneiro, nessa parte do livro o estudioso das questões africanas no Brasil não toca no nome do líder Zumbi. Em verdade seria impossível até para Carneiro falar do mesmo porque, seja dito, a fonte dessa informação de Carneiro é uma obra publicada antes dos nascimento de Zumbi dos Palmares. A obra a qual estamos nos referindo, contendo essa informação, trata-se do livro cujo nome é O Brasil Holandês, escrito por Gaspar Barléu e publicado em 20 de abril de 1647.

    Nessa obra Gaspar Barléu escreve sobre diversos aspectos do Brasil em relação à terra, clima, geografia, costumes, cultura e a constituição do povo da época, entre os quais os negros e o Quilombo de Palmares. Sendo narrado os feitos do conde Mauricio de Nasau na época dos seus anos de governo no Brasil, com Gaspar Barléu encarregado de escrever sobre o trabalho o qual foi publicado, como dito, em 1647.

    Ocorre que na data da publicação da obra de Barléu, o líder negro Zumbi não havia nem ao menos nascido. Palmares evidentemente já existia, mas o grande líder negro não. Assim, além de Edson Carneiro não mencionar, no trecho supracitado, o nome de Zumbi, o mesmo escritor se baseou nas informações de um livro publicado antes de surgir Zumbi dos Palmares. Vejamos as palavras usadas nesse antigo livro- O Brasil Holandês- ao se referir à Palmares para compararmos com as de Edson Carneiro:

    "Qualquer escravo que leva de outro lugar um negro cativo fica alforriado; mas consideram-se emancipados todos quantos espontaneamente querem ser recebidos na sociedade." (O Brasil Holandês, Gaspar Barléu)

    Enquanto Edson Carneiro diz as mesmas coisas, mas com outras palavras:

    "Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados livres, mas os escravos raptados ou trazidos à força das vilas vizinhas continuavam escravos" (O Quilombo dos Palmares, Edson Carneiro)

    Ou seja, como já foi dito, a fonte de Edson Carneiro é um livro escrito em 1647; enquanto o próprio Zumbi, segundo consta, veio a nascer somente anos depois, entorno de 1655. Havendo, dessa modo, uma diferença de oitos anos entre um e outro, cometendo-se um anacronismo ao tomar como fonte a informação duma obra a qual, por sua vez, baseou-se num texto anterior ao nascimento do líder negro.

    O erro de Leandro Narloch está em ter adotado os estudos mais recentes sobre Zumbi, repetindo e fazendo conjecturas sem se preocupar em analisar as fontes primárias- ele próprio afirma esse procedimento como poderemos ver até o final desse trabalho.

    TEXTO INTEGRAL EM: https://www.mediafire.com/file/e23s38b29esgxiv/SOBRE_ZUMBI_NO_GUIA_POLITICAMENTE_INCORRETO_DA_HIST%D3RIA_DO_BRASIL_2%AA_Ed_.doc/file
    https://cand3eiro.blogspot.com/2019/06/sobre-zumbi-no-guia-politicamente.html

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  2. Então, havia escravos no Quilombo, certo? E de quem eram esses escravos? Em algum momento, em alguma fonte é identificável o fim da escravidão dentro do Quilombo, antes do fim do Quilombo? É crível que Zumbi, como rei, não tivesse escravos, dentro uma sociedade também ela escravocrata, embora diferenciada (mais voltada à África)?

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